nota 10

voltei para casa exausta. como sempre. só que foi pior, dessa vez.

estive correndo muito. estive fazendo o meu melhor. e queria que me reconhecessem. sempre quero que me vejam como a melhor. eu quero ser nota 10.

e quando penso isso, sinto que voltei pra escola de novo. eles sempre querem resultados. e eu sempre tenho que entregar tudo, pois preciso de um 10. preciso de uma validação, algo que diga que tô no caminho certo. eu tenho que ser a inteligente, a competente, a destaque. eu tenho que produzir, trabalhar bem, me esforçar, para ter sucesso. eu tenho que ser mais que uma mulher fútil. e tenho medo de ser uma mulher fútil, como muitas meninas eram na escola.

no primeiro momento, me rendia uma boa dose de adrenalina. era até legal ultrapassar o horário, levar trabalho pra casa, me abastecer de café, tomar um energético vez ou outra, e um pouco de ritalina (como na época de ensino médio, para focar no estudo). tava indo até bem, até começar a sentir algo estranho no peito. e quando dei por mim, estava acamada em soro.

me disseram para me afastar do trabalho. disseram que posso ter mais uma parada cardíaca se eu continuasse. e eu acatei sem reclamar. embora querendo implorar pra ficar. ainda estou em casa. e vi o meu tempo passar. acho que passou uma semana desde que me sentei. me alimentei? bebi água? estranho... acho que minha vida passou pelos meus olhos. e eles querem lacrimejar.

e então, entendi. eu virei a mulher fútil. que só pensava em uma coisa. esqueci de mim, só pra agradar quem nem se importa comigo, e que partiu meu coração (esfaqueou e pôs uma bomba relógio, na verdade). eu era a que pensava em carreira, e me esqueci de me divertir, como as meninas que eu achava serem fúteis.

decidi me levantar. comecei a me desfazer das roupas de trabalho. peguei meus blazers, minhas saias lápis, meus scarpins, meus jeans e camisas sociais... melhor, não eram mais meus. optei colocar tudo para doar. essa vida de executiva, de virar a garota rica depois de ser a nerd de ontem, não funciona mais pra mim. essa palhaçada de mulher moderna, do século 21, esteve me deixando mal por tempos demais.

isso não vem valendo a pena. ficar no piloto automático não vem valendo a pena. disseram pra lutar, se eu quisesse chegar no mesmo lugar dos homens. me disseram para ser um homem. e fui. mas não funcionou. me deixou mais estressada, exausta, até doente. e, por pura coincidência, estava no mesmo nível deles, que também tão na mesma. não vale a pena lutar demais, gastar sangue, suor e lágrimas, só por um sucesso que muitos ainda vão duvidar. não vale a pena ser inteligente demais aos olhos de quem pensa que inteligência se resume a notas altas, sucesso financeiro, até a besteiras de estante grande e cheia de livros.

sinto muito, mulheres de sucesso que me inspiram. sinto muito, primeiras feministas que lutaram pelo espaço no mercado de trabalho. sei que era importante pra vocês. mas não tenho psicológico e condição mental para aguentar uma jornada tão dura, só pra provar ser tão capaz e inteligente quanto os homens. eu quero minha casa, meu lar. eu quero os vestidinhos e os laços. eu quero meus sonhos de princesa de volta. eu não quero ser mais nota 10.

💜 X'nO, Lilac P

*texto fictício