epifanias para quem não tem deficiência

esse textinho é pra você, pessoa sem deficiência. sim, você mesma. que pensa que faz muito por nós, que nos considera, que diz lutar muito pela inclusão. acredite em mim quando digo que você pode não estar fazendo o suficiente. ou, bem talvez, tá fazendo tudo por nós… do jeito errado.

eu sei que seu primeiro instinto é empurrar a cadeira de uma cadeirante. se nunca fez isso, provavelmente pensou em fazer, pois achava que ela precisava de ajuda. ou o seu primeiro pensamento ao ouvir sobre síndrome de Down, autismo ou qualquer outra deficiência intelectual ou psicossocial é pensar que quem a(s) tem é uma criança eterna. talvez, seu primeiro pensamento ao olhar para alguém com uma deficiência visível fazendo coisas simples, da sua rotina, é de como ele é uma grande inspiração pra você parar de reclamar da vida.


acho que preciso reservar um parágrafo bem honesto: você até gosta da gente. você tenta nos vê e tenta nos ajudar, e reconhecemos isso. mas acho que você odeia a deficiência. e logo, acho que, no fundo, você nos odeia, não quer conviver com a gente, e nega a diversidade das nossas deficiências. não tô exagerando. você diz que gosta da gente. mas sinto que você gostaria, de verdade, se não tivéssemos as deficiências em nossos corpos e nossas mentes. no fundo, você, pessoa sem deficiência, não quer conviver e lidar com uma pessoa com deficiência.


mas fique bem tranquile. você não é a única pessoa. pra gente, você fica quase no mesmo nível de quem pensa que acessibilidade é só rampa e libras e braile, ou que isso tudo é desnecessário e gasto de grana — pois "não haveria" alguém que realmente use. ou de quem só vê a deficiência quando tem a cadeira de rodas, a falta de um membro do corpo, muleta, o bastão ou cão de guia (e há quem julgue que a pessoa brinca com isso). ou de quem acha que deficiência é sempre sinônimo de doença ou defeito, que deveria ser curada ou corrigida, e aí pensa que a pessoa é vítima da vida. ou daquelas que pensam que a deficiência deixa a pessoa sempre na pior. e não nos esqueceremos do clássico: a que pensa que a deficiência nos deixa incapazes de viver várias experiências humanas (e daí, vêm as perguntas bestas sobre nosso aprendizado, intimidade, trabalho, e outras coisas).


se bem que você não deve ficar tranquile com isso. você deixa o mindset capacitista te domar quando pensa dessa forma, mesmo sem querer. isso acontece pelo simples fato de que nos ensinam a ver a deficiência como ruim. nos ensinam a ver a cegueira, paraplegia, surdez, neurodivergência, nanismo, qualquer detalhe que foge da normatividade do corpo e da mente como indesejáveis. estamos vendo a aceitação geral da negritude, das raízes asiáticas e indígenas, do corpo gordo, da idade a passos largos, mesmo com o preconceito persistindo. já a aceitação geral da deficiência é complicado de conquistar. preferem aplaudir pra uma criança andando depois de tempos de fisioterapia, enquanto acham loucura alguém aceitar sua deficiência da maneira que ela é. são dualidades que não funcionam. dizem que gostam da pessoa com deficiência, mas odeiam a deficiência em si.


mas se conseguiu ler até o fim, e tá disposte a crescer, tente entender o nosso lado e nos ouvir e nos compreender. de verdade. nos pergunte e nos conheça, mesmo estando acompanhades de alguém ou sozinhes. entenda que deficiência não é aquilo tudo que puseram nas nossas cabeças. é só algo corriqueiro que acontece com qualquer umi. é natural e parte da diversidade humana. e que poderia ser lembrada mais vezes na hora de investir, de fato, na diversidade geral. sei que é difícil se desfazer desses conceitos, mas você vai ter a mesma epifania que tive se abrir mais tua mente, se nos der uma chance de nos expressarmos.


💜 X'nO, Lilac P


fundo branco, com o seguinte trecho em letras pretas: "entenda que deficiência não é aquilo tudo que puseram nas nossas cabeças. é só algo corriqueiro que acontece com qualquer umi." isso vem do texto "epifanias para quem não tem deficiência", que está destacado em letras brancas e contido num retângulo preto. nos cantos superior direito e inferior esquerdo, há lantejoulas sortidas em tons de rosa. no canto superior esquerdo, há um pedaço de papel verde, com um broche de laço roxo em cima. no canto inferior direito, há um pedaço com estampa xadrez verde, uma estrela de strass e pedrinhas rosas variadas. no centro abaixo, há um patch jeans com tachinhas na borda, com um símbolo de pessoa com cadeira de rodas (e em forma de coração. por fim, minha assinatura está abaixo do retângulo: coração prateado brilhante, X'nO, Lilac P.

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