inteligência exótica & chocolate

estive stalkeando uma antiga colega de colégio. faz um bom tempo que não temos contato. ela costumava me criticar sempre quando estávamos no mesmo espaço. dizia que eu era impaciente, rebelde, agitada demais... dizia tudo isso por "amizade". mas notei com o tempo que só queria me antigir, pois tinha inveja do quanto eu era tão boa em avaliações sem esforço, enquanto ela ficava ralando nos estudos.

isso porque eu era uma criança com altas habilidades. e diferente do que o script de Hollywood costuma falar, eu falhei na missão de ter sucesso e me tornar uma cientista prodígio. eu sou uma desempregada que não consegue mais ver perspectiva no mercado de trabalho. se bem que não consigo ver mais nenhum sentido na vida e estive preferindo ficar em casa mesmo. e enquanto isso, a minha ex-colega posta foto dizendo que conseguiu subir de cargo numa grande fábrica de chocolate, e se tornar uma diretora de departamentos. demorou, mas agora me atinge pra caralho, e eu é que sinto inveja dela.

e então, minha prima, com quem divido moradia enquanto não arranjo emprego, pergunta: "é essa a vadia que te incomodava na escola?" tive que afirmar. e o que veio depois foi um soco no estômago (metaforicamente): "uou... era pra ser você no lugar dela." mais uma vez, sinto que fiquei pra trás e que sou a maior decepção desse universo.

eu me martirizo muito por não ter seguido aquela linha de sucesso que sempre me determinavam. sempre diziam que, apesar do meu ladinho inconformista, que se entedia fácil, eu iria conseguir alguma coisa. tirava notas boas (nem sempre máximas, mas era dentro da média), fazia as minhas coisas com paixão, respondia bem as perguntas de conhecimento geral... mas de que adiantou tamanho cérebro se sou uma inconformada, uma irritadinha dramática, uma endiabrada que não obedece regras e nem se sente satisfeita? fiz uma faculdade atrás da outra em dois anos, e as duas foram trancadas pelo fato de que não me vi nelas. me formei na terceira, mas entrar no mercado foi uma decepção pra mim.

eu nunca era compreendida de fato. me sentia num tanque de tubarões raivosos, e eu era a peixe que só queria trabalhar em paz. eu pensava de uma forma que quase não agradava nenhuma empresa. crítica demais, não delegava e nem trabalhava bem em equipe (pois não consigo confiar em um povo lento e egocêntrico), acumulava trabalho confiando cegamente na minha capacidade, e me esgotava numa tentativa falha de provar que eu era mais que uma simples fresca metida, que mal consegue olhar para uma lâmpada acesa por dar dor de cabeça. para quase todo chefe com quem trabalhei, era mais fácil cortar minhas asas do que me dar uma sugestão eficiente e me incentivar de verdade. para todo colega que tive, eu era sempre alvo de cochichos sobre o quanto era esquisita e individualista. deve ser porque eu não me sinto bem-vinda em nada.

eu não era livre enquanto empregada. e assim, vivia pulando de um lugar a outro quase todo ano, pois não conseguia aceitar um regime que parecia uma gaiola para minha liberdade, que fica me limitando e me deixando com tédio. me sinto muito incompreendida até hoje. sinto que fui jogada pra vida adulta sem aprender nada. na verdade, sinto que nada valeu a pena. adiantou ser tão "inteligente" e não usar essa tal "inteligência" de forma útil? não. e isso é uma droga.

"mas você é tão inteligente. por que ainda não arranjou um emprego?" "você é esperta demais pra fazer tanto drama." "não parece superdotada. superdotados são milionários ou ficam estudando algo complicado." "superdotada? já vi que não vou entender nada do que você vai falar." "ah, essa coisa de superdotação não existe. é coisa gente gringa, de pais que estimulam demais, ou de gente que se acha inteligentão e quer se dar bem." é mais fácil ouvir essas coisas do que realmente ter minha alma ouvida. eu não sou o que as pessoas esperam. eu não sou um sucesso, uma presenteada, ou uma talentosa. eu não sou a "criança prodígio" que costumam ver na TV. eu sou mais uma das mulheres fracassadas na vida, pelo simples fato de que não sou o que a sociedade espera.

falam tanto que pessoas superdotadas seriam privilegiadas, que elas vão ter tanto sucesso na vida, falam até que nem precisam de ajuda... só que não param para pensar que 1) tratam nossa inteligência e nossa existência como se fosse algo exótico ou mesmo de outro planeta, e 2) estamos mais distantes da normalidade exigida desse mundo. e quanto a essa última parte, sinto dizer, mas o mundo pertence muito mais a quem se encaixa a norma, como a minha antiga colega da escola. as pessoas alto-habilidosas, que até são muito inteligentes, mas são intrometidas demais, dramáticas demais, sensíveis demais, insatisfeitas demais, imaturas demais, até inteligentes demais para o meio social, estão tão excluídas quanto as minorias sociais comuns. além de que sua facilidade pode ser vista como trapaça para um meio que prefere gente esforçada a "presunçosa".

então pensei com meus neurônios, enquanto via aquela foto... foda-se. eu não sou obrigada a me encaixar num modelo que nunca vou ser. eu não sirvo para essas caixinhas limitantes. eu não sirvo pra essa sociedade hipócrita. peguei uma caixa grande de bombons, e decidi que seria legal me empanturrar o máximo que podia para resgatar um pouco da dopamina que perdi. diferente desse meio social, o máximo de ruim que o chocolate pode me fazer é virar gordura acumulada. mas não julga minha inteligência como exótica. e talvez me deixe mais perto do pós-vida que tanto quero agora. cansei do que estive vivendo. só quero ver sentido em algum doce, álcool ou qualquer troço calórico pra me afastar de tudo agora.

💜 X'nO, Lilac P

*texto fictício