noite de crise do playboy
foi aí onde despertei, tentando resgatar oxigênio escasso. levanto rápido, corro até a janela, conto e murmuro enquanto respiro. foi só um sonho ruim, foi só um sonho ruim… repetia isso até me acalmar, um mantra sugerido pela minha monge budista. eu achava besteira e não acreditava nisso, mas foi sugestão de um dos negociadores para boa performance da empresa e amenizar estresse dos funcionários. até que deu tão certo que passei a ser um de seus frequentadores assíduos. um pouco melhor, fui até a poltrona mais próxima, e me sentei com o meu olhar vazio e sem sono. vai ser sempre assim? vai ser sempre assim, nessa angústia doída em meu peito, quando cresço cada vez mais nos meus empreendimentos?
é assim desde que meu negócio ganhou relevância. herdei do meu pai. não por querer de fato, mas porque me senti na obrigação de mantê-lo vivo. queria fazer qualquer outra coisa, explorar minhas vontades e desejos, mas a morte dele nos meus 18 e pouco me fez compadecer do seu legado e querer fazer algo mais pela empresa.
observei o que acontecia de falhas. enquanto tentava crescer como pessoa e "ser homem" como ele falava, criei e inovei em variados pontos. errei um pouco, mas foi ótimo pra corrigir a tempo. quis fazer a empresa se expandir além dos limites antigos, de seu status médio a grande. e depois de quatro anos, estávamos num patamar tão bom… pactos selados, trocas promissoras. revistas e jornais de negócios, dinheiro que mal cabia no meu potinho de mesada, viagens pra vários cantos do mundo… é um paraíso na Terra pra jovens iniciantes e sonhadores, que iniciam uma startup pequena. é pra eles, mas não pra mim.
não quando se intensificou pra algo assustador do nível onde estou. só sei que minha saúde mental começou a piorar quando conheci minha atual esposa. de aparência linda, cativante, veio de uma boa família, com pai também empresário, mãe socialite e colunista de uma revista qualquer de carros. amava moda e coisas elegantes, e também passou a me amar quando ofereci parte do meu dinheiro pra sua própria grife de roupas dos sonhos. desde então, viramos inseparáveis, de amigos para namorados para casal. pena que os momentos felizes duraram pouco.
na lua de mel, ela mostrava sinais de controle por cima de mim. eu quis ligar pra uma amiga minha, pois ela teve uma emergência. no momento em que tirei o celular, ela me inquiriu sobre com quem ia ligar. assim que assumi a resposta, ela me mandou guardar. afinal, tenho que aproveitar nosso momento. o que era apenas um pequeno sinal de ciúmes virou tempestades instáveis, cada vez mais complicadas de sair sem me afogar em agonia.
a garota com quem eu me apaixonei era uma desgraçada abusiva, e só tirei essa conclusão depois de oito anos de gritos, desavenças, ressentimentos de ambos os lados. ela era a lei que regia tudo no relacionamento, o ouro mais brilhante mesmo quando eu era o mais rico. minha mulher tentou fazer sua grife acontecer enquanto namorávamos, mas tudo falhou depois de tantas críticas por cima dela e de suas roupas. até rolou de ser chamada de nepotista e inventaram que eu banquei tudo junto com os pais. ela tentou um monte de coisas, e o melhor que conseguiu durou menos de dois meses. visto sua falta de tenacidade (ou do direcionamento ruim do seu desespero, pois eu também não sou lá muito persistente) percebeu que controlar todos os passos do marido seria tão lucrativo quanto a minha já grande empresa.
na verdade, não era pra nenhum dos dois. só era uma forma agressiva, mas bem feita pela manipulação psicológica, de conservar um casamento. e mantemos isso pura e simplesmente pelas aparências de casal poderoso, e não estávamos afim de perder esse título. ela tinha essa vontade maior do que eu, pois até minhas negociações e finanças passam pela sua minuciosa supervisão. era pra ser um negócio bom, mas que nunca funcionava. pelo menos, pra mim, tá indo tudo ao contrário.
a pressão da "boa" imagem de homem de sucesso me corrói com muita facilidade. uma morte lenta, um veneno que um monte de machos alpha me pediram pra tomar. queria vomitar essa porra de redpill, mas não tem como fazer isso com minha empresa em notoriedade. empresa essa que, no fundo, não queria tomar pra mim. poderia passar pra outras mãos, ou desistir. mas quem faria o ramo do meu pai prosperar tão bem quanto eu fiz? não é qualquer um que consegue fazer isso, mesmo um pouco mais saudável que eu. tô um caco, querendo sumir, fugir dessa vida insana, mas sou um ótimo administrador. e tá tudo bem. eu sou o alpha da situação. tá tudo sobre controle.
e pelo menos, não sou raivoso como minha mulher é comigo. só desconto sutilmente minhas frustrações nas mulheres solteiras e ricas que só querem uma noite comigo, ou com mais exercícios de academia até sentir uma dor insana, ou uma boa sessão de pornô. não posso me esquecer também do álcool, das Ferraris na garagem, na comida tão boa que quase gorfo pela minha compulsão em comer, nos nootrópicos que me fazem virar noites no trabalho, no dinheiro que compra tudo… pera, se dinheiro compra tudo mesmo, por que não estou bem de fato?
ok… tenho tudo que um cara quer, mas não tenho mais sanidade. de que adiantou tudo então? quem eu quero enganar? ontem mesmo, descobri que minha mulher estava com outra mulher na nossa cama. eu me esforço pra caralho pra aguentar essa chata e ela quer jogar tudo pro alto? ok. que se foda… literalmente. e amo que falo isso sabendo que também sou um ótimo infiel. e se tenho consciência disso e poderia nem me preocupar, por que me incomoda? e por que enfio essas informações do nada? acho que estou com medo... mas é medo de ser trocado ou de um escândalo? e o que vai ser de mim e da minha reputação que demorei mais de dez anos pra construir?
toda esse redemoinho interno na minha cabeça está brotando uma lágrima no meu olho. cara, homem não chora. engole esse choro! não… não vou engolir dessa vez. melhor deixar sair antes que eu transforme isso em mais uma compulsão pra suprir ansiedade. isso não valeu a pena. não vale a pena. virar homem não é pra ser tão complicado assim. todo esse lance de playboy não é pra mim. eu sou realmente o que o meu eu do sonho relatou: ganancioso, oportunista, interesseiro… e o mais importante: fracassado da minha própria existência. ao menos, me permitir chorar me deixou um pouco mais leve.
fugir da realidade é bom às vezes. mas não dá pra largar tudo de uma vez. isso é o pior, principalmente quando quero de fato largar tudo. minha vida é péssima, tenho uma reputação que não condiz com meu interior, mas quero mantê-la porque não gosto de mim. eu me odeio sendo eu, e me adoro mais sendo um triunfo, um deus na Terra. se eu fosse menos preocupado com a opinião pública… se eu fosse menos preocupado até com minha mulher e o que ela pode pensar de mim depois (ou mesmo se pode ir atrás de mim e tirar satisfação)... se eu fosse menos preocupado em manter o legado do meu pai…
pai… ó, pai, tudo que eu queria era explorar minhas vontades e desejos. e de certa forma, consegui. mas me sinto abatido depois de tudo. fui enganado pelos homens da minha vida, desde magnatas do Vale do Silício, heróis das mitologias antigas e dos filmes hollywoodianos, influencias e ídolos da minha masculinidade, até por você. sei que não vai me ajudar nessa, mas só queria minha juventude de volta. só quero sair dessa queda sem fim, dessa crise. eu não quero mais viver assim…
💜 X'nO, Lilac P
*texto fictício

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